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“Ninguém merece submeter-se a assédio para ter onde dormir”

Os relatos de assédio na Residência Lloyd não são novidade para quem lá vive. Contudo, Maria* é a primeira estudante a fazer queixa formal contra um funcionário e a sentir o silêncio das estruturas de apoio.

“Levantei-me cedo para ir tomar banho e não havia água quente”. Maria* sai do quarto no rés do chão em direção à entrada da Residência Lloyd. Dirige-se ao porteiro para saber se a caldeira está a ter mais problemas. Ele põe-lhe a mão na anca. Num estado de pânico, a aluna da Universidade do Minho apressa-se a submeter a reclamação da água, mas não sai sem mais um convite. “Sugeriu que tomasse banho na casa de banho dele”. Não era a primeira vez que era assediada.


Nos momentos em que se dirigia para a sala de refeição, a estudante era, muitas vezes, surpreendida pelo porteiro. Este tinha o hábito de a seguir, meter conversa e insistir “que lhe desse dois beijinhos”. Para o evitar, começou a lavar os pratos na casa de banho do quarto. Descreve, ainda, uma vez em que ficou presa no elevador. Foi o porteiro quem lhe abriu a porta. Estava a usar uma t-shirt larga e calções quando o homem inclinou a cabeça para espreitar por baixo da camisola. “Deixei de conseguir andar com roupas curtas na residência”.


Maria* foi submetida a uma mamoplastia de redução, devido ao desconforto físico que o peito grande lhe causava. Antes de recorrer à cirurgia, a aluna tinha dificuldades em dormir no colchão da sua cama. Deslocou-se à portaria para averiguar a possibilidade de troca por outro. O porteiro demonstrou muita curiosidade em saber quais as motivações do pedido. Após muita insistência, a estudante acabou por explicar e “ele procedeu a fazer um discurso sobre como o peito é a coisa mais bonita que a mulher tem e que não devia mudá-lo por ser tão atraente para os homens”.


Esteve na residência Loyd de setembro de 2019 a março de 2020. O dia 4 marca o fim da sua estadia e conduz Maria* aos Serviços de Ação Social da Universidade do Minho (SASUM). Acompanhada por uma amiga, a aluna é ouvida por duas mulheres, que se mostram bastante compreensivas. Lamentam o sucedido e oferecem uma consulta com a psicóloga da UMinho. Contudo, há algo que deixa Maria* muito desconfortável. “Nós conhecemos a pessoa em questão, ele às vezes tem atitudes um bocado exageradas, mas não faz por mal”, disseram.


Nesse mesmo dia, regressa à residência uma última vez. Retira tudo o que tem no quarto, enquanto espera pela chegada dos pais. O porteiro mantêm-se vigilante sentado na sala de estudo mesmo em frente ao quarto da estudante. No dia seguinte, regressa aos SASUM para submeter por escrito a queixa contra o funcionário. É atendida por um técnico superior das residências e o ambiente torna-se mais hostil. Coloca uma folha em cima da mesa e exige que escreva de imediato a reclamação. “Vai afetar a pessoa em questão tanto pessoalmente como profissionalmente”, ouve-se murmurar.

Atendendo à pressão que sentiu, perguntou se podia escrever a queixa por tópicos. “Claro que não, isto é uma queixa séria, não podes simplesmente dizer que foste assediada”, diz-lhe o homem. Ficou combinado que podia escrever a reclamação em casa e depois enviar por email para os SASUM. Contudo, negam-lhe a entrega da chave e do cartão da residência, por ser necessário “verificar o estado do quarto”.


Maria* escreveu 1499 palavras e só obteve resposta cinco meses depois. “Questionamos o trabalhador sobre os factos alegados por si, que se mostrou bastante surpreso com a situação, dizendo que jamais teve intenção de ofender ninguém, nem a sua integridade, muito menos lhe causar qualquer desconforto”, pode ler-se. Acrescentam ainda que “nunca foram apresentadas quaisquer queixas deste tipo”.


“Soube de histórias de mais pessoas com experiências idênticas, pelo que o discurso de nunca terem sido apresentadas queixas além da minha é uma grande mentira ou uma representação muito grave de um longo silêncio”. A estudante sabe que há mais vozes silenciadas na Residência Lloyd e confessa arrepeder-se de não ter feito queixa na polícia. Neste caso, o funcionário seria suspenso e não punido com um aviso.


A aluna sente que os SASUM não cumpriram o seu trabalho e decidiram proteger o porteiro em detrimento da sua pessoa. “Percebi logo de que lado estavam”. A longa espera e inexistência de respostas concretas traduziram-se num grande desgaste emocional. “Ninguém merece submeter-se a assédio para ter onde dormir e, até hoje, dói-me muito que os SASUM tenham decidido permitir que mais jovens passem pelo que eu passei”.

* nome fictício


Artigo por: Inês Batista

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